A estupidez é igualmente um facto epocal, assume formas e conteúdos segundo a estação histórica e por isso contagia e diz respeito a todos, e não apenas aos outros. O autor desdenhoso, que parece troçar indiscriminadamente de todos, na realidade não fere ninguém, porque se dirige ao seu leitor fazendo-o crer que é ele o único ser inteligente no meio de uma massa de brutos, dirige-se de facto à massa dos leitores. A técnica geralmente tem êxito, porque o leitor pode sentir-se solicitado por esta excepção que o autor, desdenhando os demais, abre no seu caso, sem dar conta que o mesmo autor procede de modo igual para com cada um dos seus demais leitores. Mas a verdadeira literatura não é a que lisonjeia quem lê, confirmando-o nos seus preconceitos e nas suas certezas, mas sim a literatura que o persegue e põe em dificuldade, que o obriga a refazer as suas contas com o mundo e com as suas certezas.
Claudio Magris (2011). Danúbio. Lisboa: Quetzal Editores [pág. 202].
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