12 de novembro de 1991Massacre de Santa Cruz, Díli, Timor-Leste
Quero homenagear todos aqueles que organizaram a marcha de 14º dia pelo falecimento do Sebastião Gomes e ainda mais os que morreram ou foram vítimas de violência no cemitério de Santa Cruz, em Díli, ou nos dias que se seguiram. Entre aqueles que sobreviveram estão muitos que, atualmente, são amigos meus, irmãos. Esforço-me, no que está ao meu alcance, para honrar a sua memória e fazer acontecer um pouco do seu sonho.
A vida é cheia de surpresas matemáticas, coincidências ou influências divinas, consoante aquilo em que cada um acredita.
No dia 11 de dezembro de 1991 organizei uma manifestação em Aveiro por causa do que tinha acontecido no cemitério um mês antes, menos um dia, porque queríamos que a notícia desse acontecimento saísse nos jornais do dia 12 de dezembro e tivesse impacto. Tenho apenas cópia deste que partilho convosco. A notícia diz que apenas participaram cerca de 200 estudantes. Olhando para trás acho notável que cerca de 200 estudantes se tivessem associado a dois ou três "malucos" como eu, o Joaquim Peixinho, o Hercílio Matos, o Luís Pereira, o Paulo Estevam, o Paulo Barreira e o Fernando Ribeiro. Juntaram-se aos estudantes, longo do caminho, cidadãos aveirenses que quiseram segurar uma vela e percorrer as ruas da cidade em silêncio, agrupando-se em frente à Câmara Municipal para pintar um painel (ainda tenho uma fotografia algures) e escrever algumas frases.
Na minha primeira viagem a Timor-Leste fiquei alojado num pequeno hotel chamado "Audian" num bairro homónimo. Não conhecia nada de Díli, naturalmente. Jantei cedo e adormeci cedo, cansado da viagem. Acordei também cedo, pelas 4 da manhã, dada a diferença horária e o jetlag. Como o combinado era virgem buscar-me pelas 8h, mais coisa menos coisa, decidi sair para a rua e passear um pouco com algum cuidado para não me perder. No entanto, o entusiasmo e a emoção eram tantos que fui avançando, falando com algumas pessoas que vinham dos quintais perguntar-me se era português. Muito tinham e manifestavam o amor à língua portuguesa, emocionando-me ainda mais. Fui andando e de repente, sem perceber bem onde estava, dei de caras com a entrada do cemitério de Santa Cruz. Fiquei tão nervoso que temi que me desse algum ataque cardíaco. Não consegui conter as lágrimas. Ouvia as vozes e os tiros que anos antes tinha visto nas imagens do jornalista Max Stahl, que teve a sabedoria e a coragem de esconder uma cassete entre as campas e ir buscá-la durante a noite! Imaginem! O resto já sabem.
Fica esta pequena partilha para lembrar e homenagear todos aqueles que verteram o seu sangue pela liberdade em Timor!
(Perdoem-me o pequeno orgulho de poder afirmar que fui eu que tive a iniciativa e fui eu que pintei aquelas letras naquela tarja que era transportada na frente da marcha por amigos meus que desde o início apoiaram a ideia. Não posso esquecer também que agora parece tudo muito lindo, mas naquele dia, assim como noutros, ouvi muitos chamarem-me nomes muito feios por estar a fazer aquilo.)